Sergio Molina
Dom Quixote e as diversas possíveis leituras de uma obra atemporal e universal

Por: Cibele Nielsen | 8 de outubro de 2015.

Sergio Molina nasceu no ano de 1964, em Buenos Aires, e se mudou para o Brasil aos dez anos de idade. Estudou Ciências Sociais, Letras, Editoração e Jornalismo na USP. Começou a traduzir do espanhol em 1986 e verteu para o português mais de sessenta livros de autores como Alejo Carpentier, Jorge Luis Borges, Ricardo Piglia, Roberto Arlt, entre outros. Sua tradução para a primeira parte de “Dom Quixote” foi premiada na 46º edição do Prêmio Jabuti (2004).

O palestrante relacionou o tema das fronteiras ao livro “Dom Quixote”, afirmando que “traduzir, de certa forma, é viver”, mostrando que para haver uma melhor compreensão das intenções do autor, o tradutor deve romper as fronteiras entre realidade e ficção. Assim, argumenta, é possível uma maior compreensão do texto. Além disso, Sergio afirma também que é necessário estabelecer uma relação entre a época na qual o texto foi produzido e o contexto atual, no qual ele será lançado.

Sergio comentou sobre as fronteiras, influências e misturas existentes nos idiomas de modo geral. Para elucidar a ideia, citou o exemplo do “portunhol”, que não é aceito por quem já se encontra estabilizado, a saber, os bilíngues. De acordo com o palestrante, Cervantes procura romper com essa ideia, tendo em vista que Quixote possui grande influência do vocabulário árabe.


Fotos: Silvio Luiz Canella

O autor mostrou ainda que ocorre um rompimento das fronteiras sociais, identificável quando Dom Quixote se autodenomina “el ingenioso Hidalgo” – nome que apenas os nobres podiam ter. Segundo Sergio, há uma tentativa de desestabilizar a hierarquia das classe sociais. O palestrante pondera que a loucura atribuída ao Quixote se deve a essas ideias revolucionárias.

Para explicar a questão profundamente, Sergio procura fazer uma analogia com a situação atual dos refugiados na Europa e dos mexicanos nos EUA. Ambos procuram atravessar barreiras territoriais em busca de melhores condições de vida, mas são reprimidos e proibidos de romper tais fronteiras.

O palestrante busca quebrar as fronteiras existentes entre a razão e a loucura, pois além de louco, Dom Quixote era ridículo. Assim, são misturados os conceitos de épica e da comicidade. Por meio da paródia e da comicidade, Cervantes procura dizer o que até então era proibido, transmitindo conteúdos éticos e rompendo as barreiras impostas em busca da liberdade de expressão.

O autor conclui que a leitura depende de cada um, pois está relacionada à experiência de vida de cada pessoa. Não haveria limite entre os textos e a vida, já que ambos estariam interligados.

Leilane Grubba
Conhecer os direitos humanos: entre o ideal de Dom Quixote e a realidade de Sancho Pança 
A relação entre direito e literatura

Por: Luisa Amarante e Yago Labate | 8 de outubro de 2015

Leilane Grubba, mestre e doutora em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, ministrou uma palestra durante o Congresso da Hispanidad 2015. Seu enfoque foi a presença do direito na literatura, mais especificamente, em “Dom Quixote”. Para introduzi-la, o coordenador do Departamento de Atividades Extracurriculares, Antonio Abello Rovai, afirmou ser muito difícil definir a obra de Cervantes, mas destacou seu inegável caráter humanista e sua íntima relação com a questão contemporânea dos direitos humanos.

Para esclarecer seu interesse por literatura, a doutora usou como exemplo o quadro Guernica, de Picasso, mostrando como a arte tem a capacidade de influenciar o ser humano, fazê-lo mudar e conectar-se com outras pessoas, sociedades e acontecimentos históricos. Tendo em vista sua formação, a partir da qual busca compreender o outro, ela notou que a literatura, segundo suas palavras, “é porta muito grande para isso”.

De acordo com Grubba, há duas vertentes que relacionam os dois conceitos: a primeira é o direito como literatura, que consiste em estudar a letra das leis como se fossem discursos literários, analisando-os como uma obra. A segunda é o direito na literatura, que tem como fundamento a análise dos próprios direitos presentes nas obras. A palestrante contou que optou por utilizar um método que a permitiu relacionar ambas as vertentes, pois se deu conta de que, para progredir, não deveria haver um método fixo que limite a pessoa. Assim, ela decidiu estudar simultaneamente os dois.

Desse modo, ela percebeu que o livro “Dom Quixote de la Mancha” se encaixava ao que ela estudava, devido à relação entre idealismo e materialismo presente na obra. O primeiro, representado pelo próprio Dom Quixote. O segundo, por seu fiel escudeiro Sancho Pança. Enquanto a personagem principal via os moinhos de vento como gigantes, seu companheiro o contrariava, dizendo-lhe que não passavam de grandes instalações.
Leilane Grubba relatou que esse idealismo está presente na sociedade, no sistema da ONU, que é idealista, pois pressupõe a ideia jurisnaturalista de que os direitos são naturais a todos, sem a exclusão de um e/ou outro. Estes não seriam definidos pelo consenso político, mas pela existência de uma dignidade inerente a todo e qualquer ser humano. Entretanto, a palestrante ressalvou que, seguindo fielmente essa linha de raciocínio, não haveria diversidade cultural ou de anseios por coisas diferentes no mundo, pois todos são iguais.

A convidada ressaltou que os direitos humanos, conforme previstos pela ONU, sem dúvidas, são bons. Entretanto, eles só são eficazes quando também se considera o contexto material em que as pessoas vivem. De nada adianta, por exemplo, ter direito ao trabalho, se não haver acesso a esse trabalho. É aí que entra o exemplo da obra, uma vez que Quixote representa a ONU, idealizando o mundo ao seu redor, e Sancho Pança, representando aqueles que tentam garantir a eficácia dos direitos para além de sua existência.

Quando questionada sobre a ação da ONU frente a um desrespeito aos direitos humanos, a palestrante alegou que a grande maioria dos países r