Em 20 de junho, o escritor concedeu uma entrevista à professora de Língua Portuguesa e Produção de Texto Simone Seifert Deffente Migliari
Simone Migliari: Mia, como você enxerga a identidade moçambicana, a diversidade cultural no seu país após a Independência e a Guerra Civil?
Mia Couto: Eu acho que nós sabemos que identidade só pode ser dita no plural. No caso da história de Moçambique, era preciso uma identidade nacional, era um projeto de nação. Como fazer isso nesse caldeirão de diferenças? Há vários povos, várias culturas, existem quase 30 línguas em Moçambique, e como fazer disso uma nação? É um projeto que nunca será acabado. Algumas pessoas aceitaram e estiveram muito motivadas a lutar pela independência, foi um momento exaltante, foi talvez o momento mais glorioso e ajudou, de fato, a construir uma identidade. Antes houve a colonização portuguesa, que foi muito frágil e por isso não ajudou. Deixou a marca religiosa, mas deixou uma marca de sofrimento também e criou uma ideia de um projeto comum que ainda é uma coisa na esfera de uma ideia, uma esfera mais ideológica.
SM: E o papel da literatura nessa construção ou reconstrução de uma identidade moçambicana, africana em meio a uma diversidade de culturas ágrafas, como é a literatura escrita?
MC: Antes da literatura, é a língua. A língua com que se escreve, na qual se aprende, e os escritores moçambicanos, sendo eles de origens muito diversas. Pode se imaginar que 99% dos escritores moçambicanos são negros, portanto as línguas dos seus pais e avós não era o português, mas pensam e escrevem hoje em Português, e acho que eles amam o português. O português já é sua língua de alma, de cultura, e é curioso porque a língua do outro, de repente, é o grande instrumento de criação de uma identidade própria.
SM: Você pensa que existe possibilidade de aproximação entre jovens brasileiros e moçambicanos via projetos literários escolares?
MC: Sim, por exemplo a cidade Maputo, que é a capital para a maior parte das pessoas que vivem em Maputo, não é chamada de Maputo. Chamam de “Xiliguini”, que quer dizer “o lugar onde se fala português”. Os jovens moçambicanos têm muita influência da literatura brasileira, a qual começou na geração anterior à minha, continuou na minha geração, depois nesses mais jovens. Então as pessoas conhecem a literatura brasileira, não conhecem muito os contemporâneos, os novos não se conhecem porque são muitos e não chegam. As pessoas continuam presas a Jorge Amado, mas essas vozes ainda são muito importantes em Moçambique. Essa aproximação é importante, nem que seja para o jovem moçambicano vir para o Brasil e ver um outro mundo, e o brasileiro também ver o outro lado.
SM: Atualmente há vários autores africanos que chegam aos nossos jovens, mas a literatura africana dedicada ao público infantil é pouco publicada no Brasil, percebe-se que nossas crianças têm uma imagem estereotipada da África. Você enxerga um caminho, via literatura, que possa romper com a imagem que reduz o continente africano a um safári? Há autores que escrevem para crianças em Moçambique?
MC: Não existe. Nós temos os mesmos problemas dentro de Moçambique, como fazer literatura para crianças, porque há poucas pessoas escrevendo para crianças. No caso de Moçambique uma coisa vital, e eu acho que no Brasil também seja, é colocar em proximidade as várias culturas, várias línguas, mesmo Moçambique não se conhece assim. Então, em vez procurar esse contato com a diversidade longe, a diversidade pode ser procurada dentro, provavelmente no Brasil é uma coisa que pode ser pensada porque também devem existir histórias dos índios, o folclore, mas é uma coisa importante que ainda não fazemos.