Falando sobre o livro Mayombe, o autor e o documentarista abriram a Feira discutindo o passado, presente e futuro de um país tão importante quanto marginalizado.
Por: Murilo Dorión | 22 de maio de 2017
“O rio Lombe brilhava no meio da floresta”. Foi com essa frase que o ex-guerrilheiro do MPLA e escritor Pepetela, nascido Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, transformou um fático informe de guerra em uma das maiores obras da literatura angolana. E, na última sexta-feira, 19, o Colégio Miguel de Cervantes teve a honra de recebê-lo na 34ª Feira do Livro, juntamente com o documentarista Sérgio Caldas, para uma conversa que não se limitou às paginas de Mayombe, obra lida pelos alunos do 2º e 3º anos.
Após uma introdução escrita pelos alunos João Pedro Pimentel e Eduarda Vieitas, Pepetela contou sobre a origem de seu livro – uma tentativa de manter viva a memória da Guerra de Libertação de Angola, em que foi combatente. Sempre intensa e emocionante, a obra – conta o autor – nasceu para resgatar a humanidade que acabou esquecida nos frios informes de guerra que escrevia para os altos-mandos. Assim, explicou que cada personagem tem elementos de pessoas que lutaram ao seu lado – apesar de nenhum ser integralmente alguém que conheceu. Além disso, comentou sobre o processo criativo da escrita e lembrou que “nunca os primeiros livros [que alguém escreve] são bons”, afirmando-se grato pelo desaparecimento de seus primeiros livros, já que a qualidade de sua escrita melhorou com o tempo e o trabalho.
Na sessão de perguntas, foram discutidos temas diversos – desde a dinamicidade da língua portuguesa até o passado e futuro de Angola. Alguns alunos o questionaram sobre a motivação para incluir personagens femininas, outros sobre as questões raciais explícitas em sua narrativa. Assim, lembrou a importância das guerrilheiras no resultado da guerra em que lutou e o racismo que marca o cotidiano do angolano. “O Brasil e a Angola são iguais [quanto ao racismo], a diferença é que [nós angolanos] não escondemos”, afirmou.
Em tom otimista, Pepetela afirmou que os problemas sociais que afligem seu país podem ser resolvidos: “A Angola tem tudo para dar certo, o que falta são as instituições nesse momento”. Lembrou a dificuldade de cuidar do país que o MPLA formou e do qual fez parte do governo, já que a guerrilha não tinha experiência política. “Ninguém preparou o MPLA a dirigir um país, só para dirigir uma guerra”. Outro empecilho que identificou é o costume de privilegiar as famílias conhecidas em serviços e títulos – já que ser “filho de…” é um distintivo em seu país, conta. No final, questionou: “será que a gente boa poderá se impor nos ‘filhos de…’?”.
Apesar dos problemas, mostrou como a língua portuguesa foi importante na construção da nação angolana. “Nas áreas urbanas, as crianças brincam em português”, afirma, lembrando a importância que a luta de independência e a língua tiveram para acabar com o tribalismo tão arraigado que retrata em seu livro e criar um país com objetivos comuns. Assim, explica, com a luta de todas as tribos contra o colonizador e com uma língua comum para comunicar-se, a mistura tribal foi possível e “hoje as tribos não existem mais” – e sim uma Angola.
Entre perguntas e respostas, acabou excedendo o tempo sem saciar a curiosidade dos alunos nem contemplar os assuntos que todos ansiavam discutir. Encerrou-se, então, uma profunda e abrangente reflexão política e literária que lembrou a todos que, como disse Sérgio Túlio, “A África não é um safári”.