A jovem escritora Aline Bei esteve na Feira do Livro do Colégio Miguel de Cervantes para falar sobre seu livro, O peso do pássaro morto. Com um texto intenso, profundo e que prende e desconcerta o leitor a cada página, o livro da Aline foi uma das leituras indicadas aos alunos do 2º e 3º anos do Ensino Médio, que lotaram o teatro para ouvi-la.
Aline Bei aceitou conversar com a revista Cervantes Informa sobre sua obra e seu processo de criação.
Cervantes Informa – Sobre a estética gráfica do livro.
Aline Bei: Escrevo há mais de dez anos. Comecei a escrever muito antes de publicar. Eu era atriz e fiz teatro por um bom tempo. Depois fui fazer faculdade de Letras, mais por conta de uma pressão em casa. As pessoas não queriam que eu continuasse a fazer teatro porque é muito difícil, não dá dinheiro, aquelas coisas todas. Como eu era muito novinha, acabei cedendo. Já que sempre gostei muito de ler, fui fazer Letras pela literatura, mas ainda não escrevia. Quando eu entrei na faculdade, conheci muita gente que escrevia. Entrei no centro acadêmico e comecei a escrever para a revista. Como eu gosto muito de poesia, achava que era poeta e escrevia em versos livres. Eu publicava meus textos na revista e achava que eram poemas. As pessoas vinham e me diziam “que lindo aquele conto que você escreveu”. Daí eu escrevia um conto e me falavam “que lindo o seu poema”. Os feedbacks de gênero eram sempre o oposto do que eu havia escrito. Então comecei a perceber que eu não escrevia em gênero nenhum, mas de uma forma muito híbrida. Acredito que isso faz parte de uma limitação que tenho de não conseguir escrever um conto inteiro nem um poema inteiro. Essa forma tem uma influência muito forte do teatro. Percebo que meu texto é muito oral. Algumas pessoas me dizem que têm vontade ler alto o meu texto. Esse estilo nasceu antes do Pássaro e continua depois do livro. Quando fui escrever o Pássaro, testei se esse estilo dava conta de uma história mais longa, porque estava escrevendo textos curtos há muito tempo. Então tentei uma história de mais fôlego e acho que deu certo.
Cervantes Informa – Sobre A influência das artes cênicas
AB – Sinto que eu sou uma atriz escrevendo, então a folha é sempre um palco. É como se ela já estivesse aquecida. Eu não tenho esse problema, por exemplo, da crise da folha em branco. Vou escrever e não sei por onde começar. Para mim é como se a história já estivesse lá vibrando, como em um palco quente, e eu a fosse desvendando por trás da folha. É muito um processo de atriz. Por exemplo, o fato de recortar: eu me lembro de que, quando a gente lia um monólogo no teatro (o chamamos de “bifão” quando são grandes), já começávamos a cortar por conta da respiração, porque não é tudo a mesma coisa. Se você pega um monólogo de Hamlet, o ator vai dar aquilo em vários registros, em várias respirações, em vários tempos no palco. A gente cortava para decorar, e o que eu faço com o Pássaro, por exemplo, é isso. A personagem é uma atriz. Então às vezes ela está falando e eu percebo que essa frase não cabe muito com outra, pois é o movimento dela no palco, a respiração dela. Tenho muito essa preocupação. Então me considero mesmo mais uma atriz escrevendo do que uma escritora escrevendo, pois, comparando com minhas outras colegas, noto que as preocupações são diferentes.
Cervantes Informa – Sobre a personagem principal não ter nome
AB – O nome não aparecia de jeito nenhum e, aos poucos, fui entendendo que era muito mais solitário ela não ser chamada nunca por ninguém, que isso a deixaria muito mais potente. Outra coisa é que o livro é em primeira pessoa, então isso, em um fluxo de consciência, iria trazer ao leitor a pele dela, que pode ser a sua ou a de qualquer pessoa. Qualquer um pode se colocar naquele lugar. A partir do momento em que não tem nome, ela é todo mundo e não é ninguém. Isso, para a narrativa, ajudava muito, sabe? Colocar um nome poderia afastar essa experiência. Se ela fosse a Mariana não poderia ser eu. E ela é qualquer uma de nós, todo mundo perde, todo mundo está nesse jogo.
Cervantes Informa – Sobre Mercado editorial
AB – As livrarias estão passando por um momento de reinvenção. Eu participei de um evento na Livraria da Vila em que um influenciador que tem um canal no Instagram com quase 100 mil seguidores media conversas com autores contemporâneos dentro da livraria. Essa ação favorece um espaço onde as pessoas interagem e depois se lembrem. A livraria, por muito tempo, era uma espécie de biblioteca, acreditando até mesmo incentivar mais do que as bibliotecas. Na verdade, elas precisam promover coisas, trazer pessoas, não só para adquirir o livro, mas também para eventos, saraus e feiras literárias. Acredito que as grandes livrarias estejam entendendo isso. Também acho que elas precisam trabalhar com livreiros. Em algumas livrarias maiores, você vai pedir um livro e está na cara que a pessoa não lê. Eu acho que quem trabalha com livro tem que amar livro, tem que ser leitor e tem que saber sugerir e saber do que você está falando. Eu, como autora, vendo meu próprio livro pela internet. A minha editora é independente, está em poucas livrarias. Quando o lancei, sabia que ia ter que por meu livro debaixo do braço e isso não me incomoda. Acho uma delícia esse contato com os leitores. Eu envio pelos correios, faço dedicatória, gosto de estar perto dos leitores, de saber quem está me lendo, formar leitores. Isso tudo me interessa. Às vezes os autores ficam achando que ninguém lê e que isso é definitivo, mas não é. Muita gente lê e muito mais gente pode ler. Então temos que ficar cada vez mais próximos e deixar o leitor perto. Isso tudo me interessa.