A doce escritora Marília Lovatel aceitou conversar com a Cervantes Informa sobre sua obra e sua visão de literatura para os jovens.
Cervantes Informa – Como foi a concepção da história de Menina dos sonhos de renda?
Marília Lovatel: Começou com uma notícia de jornal que eu li na época sobre as rendeiras de Aquiraz, contando que elas passaram quase 8 anos tecendo a maior renda do mundo. A intenção delas era ir se revezando na mesma almofada de bilro, até conseguirem a renda grande o suficiente para entrarem no livro dos recordes. Eu achei aquilo fantástico, porque sem sair do lugar elas conseguiram, com a arte que aprenderam e que passam de geração para geração, chamar a atenção do mundo para aquilo que fazem, que é tão importante e que corre o risco de desaparecer se as gerações futuras não tiverem interesse em aprender. Eu havia ganhado de presente um caderninho todo decorado com rendinhas e continhas, então pensei que esse caderno pedia uma história. Aí juntei as duas coisas: comecei a escrever e saiu a história da Menina dos sonhos de renda, que foi nascendo aos pouquinhos nesse caderno. A história é dividida em duas partes. A primeira é a de Filó que, como a avó dela diz, tem nome de renda porque é Filomena. A segunda parte é a da filha de Filó, Marisol. Então a renda entra como pano de fundo na história, aparecendo em alguns momentos. Claro, não é a história das rendeiras, porque a história das rendeiras é delas. Eu tinha que escrever a minha própria história com base na história que me encantou. Assim ela nasceu, trazendo essa experiência, trazendo oportunidades muito bonitas, como ir às escolas conversar com as crianças e ter conhecido as rendeiras depois que lancei o livro. Quando fui a uma escola na região, as professoras me perguntaram se eu já conhecia a renda e respondi que não. Então elas me levaram lá e me apresentaram. Eu conheci a dona Neném, o sorriso mais bonito que já vi. Tenho a recordação de dona Neném lendo o livro, chamando as outras rendeiras e dizendo: “Olha só, ela contou a nossa história”.
CI: O que é essencial para a formação do cidadão leitor e como estimular o gosto pela leitura nos jovens com tantos estímulos de entretenimento?
ML: Sou professora por formação e escritora por essência. A escritora sempre existiu, mas estava guardada na gaveta, até que a experiência de escrever com meu filho me arrancou de dentro dessa gaveta. A partir de então, não parei mais de abrir para o mundo esse exercício que é o fazer literário. O fato de eu começar a publicar a partir de uma história que escrevi com ele me traz uma série de aprendizados, que somei aos da sala de aula. Foram muitos anos como professora, trabalhando a produção de texto. Uma das coisas que me impressionam demais é que tudo começa na leitura. Todos os aprendizados se iniciam na leitura, então ela é essencial e insubstituível. Os apelos hoje são muito grandes, mas eu ainda tenho uma visão em relação à criança e ao jovem como leitores de outros suportes, mas ainda leitores. A gente discutiu recentemente, em Recife, em um evento da editora Moderna chamado A literatura do século XXI, exatamente essa literatura para o jovem e para a criança. Uma das conclusões a que chegamos é que a literatura para o jovem não pode ser para o jovem, porque ele é reativo a tudo que perceba que lhe é endereçado. Quando o texto está aberto ao jovem, ele é também para o jovem. Então eu acredito muito em um mergulho literário por parte do escritor, que permita ao leitor essa decisão e essa escolha. O Antonio Candido tem um texto muito lindo sobre o direito à literatura. Segundo ele, o direito à literatura é um direito básico, assim como o direito à saúde, à moradia, a uma boa alimentação. Como é que a gente pode viver privado de um dos nossos direitos básicos, e logo desses que têm a característica de lhe permitir exercitar a empatia, vestir a pele do outro, se colocar em outra realidade, viver emoções que você talvez ainda não tenha experimenta? A literatura está no foco dos exercícios essenciais para formação não só da pessoa antenada com o mundo e interagindo socialmente, mas do cidadão em essência, exercendo seus direitos plenos. Eu vejo o jovem aberto a isso. Eles têm um grau de exigência que, em minha opinião, é por uma legitimidade. Aquilo que é superficial ou tem um apelo artificial eles rejeitam. Eles estão certos: a gente tem muito a aprender com eles também.