Entrevista Milton Hatoum
Por: Tatiana Maria de Paula Silva | 2 de maio de 2016.
Milton Hatoum é considerado um dos maiores escritores brasileiros da atualidade. Filho de pai libanês e mãe manauara, o escritor sempre teve a multiculturalidade presente em sua vida. Nasceu em Manaus (Amazonas), onde passou a infância e uma parte da sua juventude. Além disso, morou em Brasília, Espanha, França e São Paulo.
Em 1989, seu primeiro romance, Relato de um certo Oriente, publicado pela editora Companhia das Letras, ganhou o Prêmio Jabuti de melhor romance. Em 2000, publicou o romance Dois irmãos (Prêmio Jabuti – 3º lugar na categoria romance/ indicado para o prêmio IMPAC-DUBLIN), eleito o melhor romance brasileiro no período de 1990 a 2005 em pesquisa feita pelos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. Em 2001, foi um dos finalistas do Prêmio Multicultural do Estadão por conta da publicação de Dois Irmãos. Em 2005, seu terceiro romance, Cinzas do Norte, obteve o Prêmio Portugal Telecom, o Grande Prêmio da Crítica/APCA-2005, o Prêmio Jabuti/2006 de Melhor Romance, o Prêmio Livro do Ano da CBL e o Prêmio BRAVO! de Literatura. Em 2008, recebeu do Ministério da Cultura a Ordem do Mérito Cultural. Em 2010, a tradução inglesa de Cinzas do Norte (Ashes of the Amazon, Bloomsbury, 2008) foi indicada para o prêmio IMPAC-DUBLIN.
Em 2008, publicou seu quarto romance, Órfãos do Eldorado, que ganhou Prêmio Jabuti – 2º lugar na categoria romance. Órfãos do Eldorado faz parte da coleção Myths, da editora escocesa Canongate. Em 2009, publicou o livro de contos A cidade ilhada. Em 2013, publicou o livro Um solitário à espreita, uma seleção de crônicas publicadas em jornais e revistas. Todos os seus livros foram publicados no Brasil pela editora Companhia das Letras, cujas vendas ultrapassaram trezentos mil exemplares.
Sua obra já foi traduzida em 12 línguas e publicada em 14 países.
Desde 1998, mora em São Paulo, onde é colunista do Caderno 2 (O Estado de S. Paulo).*
O premiado escritor, que tem na mesma proporção a genialidade, a modéstia e a simpatia, concedeu na 33ª Feira do Livro do Colégio Miguel de Cervantes uma entrevista exclusiva para o site do Colégio e para a revista Cervantes Informa.
CMC – Você é filho de pai libanês e mãe manauara, nasceu e cresceu em Manaus, morou em Brasília, São Paulo, Espanha e França. Em que sentido o contato com todas essas culturas influenciam seus trabalhos?
MH – O primeiro aspecto a ser considerado é que ser filho de imigrantes já proporciona a convivência com outra língua e outra cultura em sua própria casa. Isso expande o horizonte. O fator linguístico, a culinária, a música, a literatura e a cultura árabe estavam presentes por meio do meu pai. A minha avó materna gostava de falar francês comigo, já que ainda jovem ela havia aprendido a língua. Por isso, o francês foi um idioma que ouvi desde criança. Isso tudo foi importante, pois uma das características mais fundamentais do ser humano é que ele, em qualquer momento, pode sair de si mesmo e da sua língua para entrar em contato com outras culturas. Então, na minha juventude, eu já tinha interesse por outras culturas por conta dessa experiência familiar.
Depois eu morei em vários lugares. Saí de Manaus muito jovem, estudei em um ótimo colégio de aplicação que pertencia à Universidade de Brasília. Naquela época era muito difícil ser estudante. O Brasil era governado pelo presidente Costa e Silva, quando o Ato Institucional Nº 5 (o AI5) passou a vigorar, e isso foi um pouco traumático para mim. Eu estava só, sem a família, morava apenas com dois amigos, mas essa foi uma experiência importante na minha vida. Depois, aqui em São Paulo, eu estudei na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Eu queria ser arquiteto, mas já me interessava por literatura, já escrevia poesias e publiquei um livro de poesia naquela época.
CMC – E foi nesse momento que nasceu o Milton escritor? O que o jovem Milton lia?
MH – Eu queria ser escritor, mas é difícil ser escritor no Brasil e se dedicar só à literatura. Mesmo assim, eu escrevia contos, lia muito, frequentei disciplinas como ouvinte no curso de Letras, tive grandes professores e era um leitor mais ou menos disciplinado. Eu tive sorte, já que em Manaus tive bons professores no Colégio Estadual do Amazonas. O colégio ainda hoje é muito tradicional; uma escola pública que tem mais de 120 anos. Lá fui iniciado com Graciliano Ramos. Naquela época eu li, por exemplo, Vidas secas. Li também livros de Jorge Amado, como Capitães da areia. Há pouco tempo, até escrevi um posfácio de uma edição da Companhia das Letras. Enfim, li livros do Érico Veríssimo, li trechos de Os sertões, que foi um livro importante, apesar de ter sido uma leitura muito precoce. Li escritores muito diferentes, e as obras de Graciliano Ramos, como Infância, me impressionaram. Depois, já em São Paulo e Brasília, li outros clássicos. Acredito que, para quem quer se escritor, é fundamental se iniciar com os clássicos.
CMC– E da literatura espanhola?
MH – Eu li muito porque morei na Espanha, ganhei uma bolsa para estudar em Madri e, de lá, fui para Barcelona. Eu queria muito morar em Barcelona. Era um sonho de juventude por conta da arquitetura modernista espanhola e, principalmente, de Gaudí. Também me atraía estar em uma cidade portuária no mediterrâneo, de modo que acabei morando lá por oito meses, antes de ir para a Fran